Acabei de ler um dos livros mais fantásticos que já li em minha vida: Grande Sertão: Veredas, do nosso querido João Guimarães Rosa. Há tempos eu o queria ter lido; mas acho que hoje, porque estou mais maduro, a leitura foi mais proficiente. Engraçado é que estou lendo Barro Blanco do José Mauro de Vasconcelos e, inevitavelmente, fico fazendo comparações dos regionalismos entre a obra de Vasconcelos e a de Guimarães Rosa - não restam dúvidas; Guimarães é mestre na literatura regionalista brasileira, até hoje insuperável. Ainda quero ler O Tronco de Bernardo Élis, romance regionalista aclamado unissonamente pela crítica. Mas não quero aqui me ater apenas ao caráter regionalista da master piece de Guimarães Rosa; há outros tantos motivos que fazem jus ao reconhecimento da mesma. O livro é grande em todos os sentidos estritamente literários, o que torna a sua leitura densa porém agradável. Logo nas primeiras páginas, o leitor é envolvido por uma atmosfera caótica de fatos que, à primeira vista, parecem todos sem substância, ou ilógicos. Eu, particularmente, achei esta primeira parte tranquila e menos reveladora que as demais. Lembrou-me muito Faulkner, de início [acho que Guimarães o lia!]. Não restam dúvidas que, nessa obra, a história do amor platônico entre Diadorim e Riobaldo é uma das mais belas de nossas letras - trágica e bela, como deveria ser, seguindo o desenrolar do livro. Entretanto, o que achei marcante, pelo menos após essa primeira leitura, foi a sinuosidade com o que a trama se desenrolou, chegando ao ápice quando Riobaldo, nosso Fausto tupiniquim, faz um pacto com o diabo. Daí em diante, nota-se uma espécie de "aceleração" tramática e traumática, tanto para o protagonista quanto para o leitor. Só festa para os leitores ávidos! Mas detalhes, talvez, menores, me chamaram a atenção também. Sinceramente, estabelecer um leitmotiv em Grande Sertão: Veredas é muito perigoso. Até porque a imagens [seriam imagens ou símbolos? ou ambos?] que se repetem, não à toa, claro, na obra. E um trecho em especial despertou-me para isso:
"Somente que me valessem, indas que só em breves e poucos, na ideia do sentir, uns lembrares e sustâncias. Os que, por exemplo, os seguintes eram: a cantiga de Siruiz, a Bigrí minha mãe me ralhando; os buritís dos buritís - assim aos cachos; o existir de Diadorim, a bizarrice daquele pássaro galante: o manuelzinho-da-crôa; a imagem de minha Nossa Senhora da Abadia, muito salvadora; os meninos pequenos, nuzinhos como os anjos não são, atrás das mulheres mãe deles, que iam apanhar água na praia do Rio de São Francisco, com bilhas na rodilha, na cabeça, sem tempo para grandes tristezas; e a minha Otacília (GUIMARÃES ROSA, p.533, 2006)".
Por que a insistência nestes fatos, em particular? Sempre a sinuosidade que chegava ao mesmo lugar de sempre, como um eterno mito de Sísifo. Toleimas; nunca! Desejo reler esta obra, e necessito. Uma coisa eu tenho certeza: todos quanto gostam de Literatura deveriam lê-la, pelo menos, uma vez em vida, pois é fabulosa e, Guimarães, fabuloso. Encerro aqui com os últimos versos do poema que Drummond publicou três dias após a morte de João Guimarães Rosa:
Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
deve pegar.