sábado, 5 de junho de 2010

Um conto haikai


Miriam descia a rua de braços abertos para o mar. O mar salgado de sangue inocente a esperava de ventre aberto. O aborto de uma Vênus suburbana sob o sol. Na manchete de um jornal dizia:


"Eclampsia do sol e da lua."

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Grandes sertões: veredas sinuosas



Acabei de ler um dos livros mais fantásticos que já li em minha vida: Grande Sertão: Veredas, do nosso querido João Guimarães Rosa. Há tempos eu o queria ter lido; mas acho que hoje, porque estou mais maduro, a leitura foi mais proficiente. Engraçado é que estou lendo Barro Blanco do José Mauro de Vasconcelos e, inevitavelmente, fico fazendo comparações dos regionalismos entre a obra de Vasconcelos e a de Guimarães Rosa - não restam dúvidas; Guimarães é mestre na literatura regionalista brasileira, até hoje insuperável. Ainda quero ler O Tronco de Bernardo Élis, romance regionalista aclamado unissonamente pela crítica. Mas não quero aqui me ater apenas ao caráter regionalista da master piece de Guimarães Rosa; há outros tantos motivos que fazem jus ao reconhecimento da mesma. O livro é grande em todos os sentidos estritamente literários, o que torna a sua leitura densa porém agradável. Logo nas primeiras páginas, o leitor é envolvido por uma atmosfera caótica de fatos que, à primeira vista, parecem todos sem substância, ou ilógicos. Eu, particularmente, achei esta primeira parte tranquila e menos reveladora que as demais. Lembrou-me muito Faulkner, de início [acho que Guimarães o lia!]. Não restam dúvidas que, nessa obra, a história do amor platônico entre Diadorim e Riobaldo é uma das mais belas de nossas letras - trágica e bela, como deveria ser, seguindo o desenrolar do livro. Entretanto, o que achei marcante, pelo menos após essa primeira leitura, foi a sinuosidade com o que a trama se desenrolou, chegando ao ápice quando Riobaldo, nosso Fausto tupiniquim, faz um pacto com o diabo. Daí em diante, nota-se uma espécie de "aceleração" tramática e traumática, tanto para o protagonista quanto para o leitor. Só festa para os leitores ávidos! Mas detalhes, talvez, menores, me chamaram a atenção também. Sinceramente, estabelecer um leitmotiv em Grande Sertão: Veredas é muito perigoso. Até porque a imagens [seriam imagens ou símbolos? ou ambos?] que se repetem, não à toa, claro, na obra. E um trecho em especial despertou-me para isso:




"Somente que me valessem, indas que só em breves e poucos, na ideia do sentir, uns lembrares e sustâncias. Os que, por exemplo, os seguintes eram: a cantiga de Siruiz, a Bigrí minha mãe me ralhando; os buritís dos buritís - assim aos cachos; o existir de Diadorim, a bizarrice daquele pássaro galante: o manuelzinho-da-crôa; a imagem de minha Nossa Senhora da Abadia, muito salvadora; os meninos pequenos, nuzinhos como os anjos não são, atrás das mulheres mãe deles, que iam apanhar água na praia do Rio de São Francisco, com bilhas na rodilha, na cabeça, sem tempo para grandes tristezas; e a minha Otacília (GUIMARÃES ROSA, p.533, 2006)".




Por que a insistência nestes fatos, em particular? Sempre a sinuosidade que chegava ao mesmo lugar de sempre, como um eterno mito de Sísifo. Toleimas; nunca! Desejo reler esta obra, e necessito. Uma coisa eu tenho certeza: todos quanto gostam de Literatura deveriam lê-la, pelo menos, uma vez em vida, pois é fabulosa e, Guimarães, fabuloso. Encerro aqui com os últimos versos do poema que Drummond publicou três dias após a morte de João Guimarães Rosa:




Ficamos sem saber o que era João


e se João existiu


deve pegar.

sábado, 22 de agosto de 2009

domingo, 16 de agosto de 2009

A carta de um amigo



A carta que transcrevo abaixo é de um amigo meu (ele me pertimiu a postagem dela). Anteontem, após um dia de serviço, esse amigo me procurou para me dizer algo triste: desabafar. Mas sem forças, sem coragem, com vergonha, talvez, ele não conseguiu dizer quase nada. Simplesmente entregou-me a referida carta. Confesso que admirei-a pela beleza da simplicidade e da sinceridade nela contida. Pareceu-me bela e triste ao mesmo tempo; uma visão nevada de um trem distante que some entre as brumas ao som de uma sonata de Bach. Na verdade, eu não soube o que ocorreu ao certo a ele, mas entendi que foi algo terrível. Confesso que não sou uma pessoa que sabe ministrar palavras confortantes, e esse fato me deixa, eu diria, "desconfortável" pela minha impotência diante de uma situação análoga. Mas assim como nos sentimos bem quando alguém nos escuta num momento de dor, eu notei que ele ficou melhor após eu ter lido a sua carta.


Sabe quando você está cercado de pessoas mas se sente tão sozinho? Quando tantas pessoas te elogiam e você sabe que todas elas te amam? Quando você se deita na cama e entra num sono profundo e se vê num sonho onde tudo o que você quer e precisa está em suas mãos, porém, ao acordar, você vê que tudo não passou de um sonho? Quando seus sonhos e planos parecem distantes e começam a se apagar da sua memória? Quando você vê um lindo rosto de bebê e pensa: "como eu queria ser pai"? E quando você se lembra que ainda não encontrou a pessoa certa para você, e, quando você pensa que achou, ela está bem distante de você? Quando você senta-se à mesa para almoçar no domingo sozinho, e se lembra da comida da sua mãe e dos abraços dela, ou até mesmo dos puxões de orelha dela e do seu pai, e, aí, você recorda das brigas tolas e das vezes que você não disse que os amava muito? Quando você disse coisas que o machucaram, e quando eles disseram que não tinham orgulho de você como filho? No entanto, você aprende que o tempo passa e apaga quase tudo. O pior é quando você tem algo cravado dentro de você mesmo, e você sente tanta vergonha disso, e se sente tão fraco e tão sem armas para lutar contra isso, e você acaba até mesmo tentando se esconder de Deus. E você, tão desesperado no meio desse caminho, se limita a sentar-se numa cama, pegar uma caneta e um papel, e, em meio às lágrimas que escorrem do seu rosto, você clama por socorro...

sábado, 8 de agosto de 2009

Quem está na moda?


Filosofia dos filósofos: sempre têm uns "na moda". Zizek, Lévy, Foucault, Carvalho, Burge, Bobbio, Baudrillard, Barthes ou Abermas? Do clássico ao Matrix! Não se iluda com as aparências: salve-se das consequências!

Para um amigo


Revirando alguns livros de filosofia da Abril meus, eis que deparei com o texto abaixo. Dedico-o a um amigo "nietzschiniano".
"Sei a minha sina. Um dia meu nome será lembrança de algo terrível. De uma crise como jamais houve sobre a Terra. Da mais profunda colisão de consciências. De uma decisão conjurada contra tudo que até então foi acreditado, santificado, requerido. Não sou um ser humano, sou uma dinamite, na transvaloração de todos os valores. Eis a minha fórmula para um ato de suprema octognose da humanidade que em mim se fez gene e carne (...)".
Friedrich Nietzsche

Onde o sol nasce enquadrado


Quando eu fiz este poema eu não contava mais de onze anos. Por isso, relevem certas particularidades; são ares de poesia! Poesia de um pré-adolescente. Conservei o texto original datilografado por uma Olivetti, o qual guardo com muito carinho. Ele significa muito para mim - sempre. Não sei se postarei outros poemas meus; desconheço parcialmente as razões de tal decisão.

Onde o sol nasce enquadrado

Em caminhos tortuosos,

Encontra-se, no final,

Um absíntio

de uma prisão,

Sólida,

Com ida,

Sem volta.

Aquele peregrenino

Que tanto aprontara,

Agora, estava ali -

Naquela jaula,

Naquele lugar,

Sem luz,

Sem esperança.

Naquele quarto fechado,

Onde o sol nasce enquadrado.

Naquele canto,

A solidão chegava sem bater na porta;

Dava um vazio:

Parecia que não queria ir embora.